terça-feira, 21 de novembro de 2017

Tá lá o corpo estendido no chão

Há dias em que tenho medo... Muito medo! Talvez meus poucos, seletos leitores se perguntarão: estará Lia tendo algum surto paranoico? Imagina-se perseguida pela máfia chinesa? Leu tantas histórias sobre vampiros que vê mortos-vivos no jardim? Ora, direis, ver mortos-vivos... Certo perdeste o senso, parodiando o imortal Bilac...
Bom seria se fosse apenas um surto paranoico, mas meu medo é de algo bem real: temo ler as notícias do dia. Aquele ritual que ficou no passado, de abrir o jornal de manhã. Ou, mais modernamente, de abrir os portais virtuais de notícias no começo do dia. Ou a qualquer momento do dia. Sinto uma leve taquicardia ao imaginar qual será o próximo absurdo da política nacional, o próximo direito a ser pisoteado ou a próxima carnificina a ser lamentada.
Algo que me intriga no mundo são os indiferentes. Sabe aquele samba excelente do João Bosco? Tá lá o corpo estendido no chão. E ninguém para sua vida por isso: o bar lota, a baiana vende pastel, camelô vende anel, tem até discurso para vereador, que discursos políticos sobre cadáveres não é novidade para ninguém... E depois todo mundo vai embora, pensando na mulher ou no time.
E o corpo continua lá, estendido no chão. Talvez uma representação bastante fidedigna do nosso momento: vemos a agonia de um estado democrático recém-nascido que não chegou a vingar. Uma jovem democracia que lenta e dificilmente caminhava para estabelecer algumas bases e que de repente parou. Mas continuamos indiferentes. E quando os passos para trás começaram, tomamos um susto. Mas continuamos indiferentes. Enquanto isso, alguns vociferam contra exposições de arte ou contra uma filósofa em visita ao país. E leio hoje no portal da BBC que há juízes brasileiros (aqueles com gordos salários e auxílio moradia de 4 mil reais por mês) que têm duas folgas semanais e férias de 60 dias, e, no do jornal Estado de São Paulo que, segundo o Banco Mundial, o Brasil deve cortar as universidades gratuitas. Mas, para não pensar em nada disso, pode-se ler a seguinte notícia no portal da revista Veja: a televisão já ocupa em média 6 horas do dia dos brasileiros.

E o corpo tá lá, estendido no chão. E um silêncio servindo de amém.