sexta-feira, 8 de abril de 2016

Minha igrejinha azul

Tempos difíceis requerem versos, muita dança, muita amizade e um pouco de vinho (ou uma das maravilhosas caipirinhas da Regina Alves)... Difícil é pensar na vida sem arte, ou sem a memória das coisas mais felizes. Nos momentos em que tudo me parece perdido, eu olho esse céu azul de outono, macio de quase se pegar entre os dedos, e ele parece me dizer que me acalme, pois há um travesseiro onde eu posso me recostar.
E às vezes o tal do Facebook (aquele que me faz crer menos na humanidade e pedir "abduzam-me, por favor") me traz uma pessoa há muito não vista, ou um momento do passado muito amado. E ontem me deparei com um pedaço da minha infância. Meu primo Zé Mauro postou uma foto da antiga igreja de Santo Antônio, na Vila Antônio Augusto, em Caçapava.



Era linda... Simples e linda como minha casa de infância. Aliás, era também minha casa. Não apenas para rezar. Éramos crianças: brincávamos durante missas e novenas. Sonhávamos entre uma leitura e outra. Eu, principalmente, nas manhãs de outono, quando uma luz muito especial entrava pelas janelas longas e verticais da igreja. As paredes eram azuis, e essa luz as tornava celestes, parecia que os anjos do altar voavam por elas. No altar, havia também uma imagem grande de Nossa Senhora das Graças, num oratório alto com fitas coloridas, que eram fielmente beijadas. E quando eu alisava as fitas de cetim colorido, olhava aquelas mãos de fada estendidas para mim, aqueles olhos tão doces quanto os da minha mãe. Como não ter certeza da graça com toda aquela luz? Eu preferia aquela igrejinha à rica matriz, com suas sérias paredes marrons e douradas, aquele altar distante com aquela grade... Não, ali na igrejinha do bairro eu estava mais perto do céu, eu podia mergulhar no azul...
Ali também havia missas só para crianças, nas quais brilhava uma exímia contadora de histórias: Heloísa. Seu filho fazia desenhos ilustrando passagens bíblicas que eram projetadas, enquanto ela narrava as coisas mais fabulosas: o mar que se abria ao movimento do cajado de Moisés, a água que se tornava vinho aos olhos de Jesus, Lázaro que ressurgia do túmulo por sua fé... A voz de Heloísa ecoa na minha lembrança e sua figura maternal me abraça. Ela era também minha vizinha, e como todas as vizinhas, cuidava de todas as crianças da rua. Entrávamos em sua casa e flagrávamos Richard fazendo os desenhos ou tocando seu violão. Ela nos oferecia pipocas.
Foi também na Igreja de Santo Antônio que tive minhas primeiras experiências, digamos assim, públicas. Foi ali que me deram um microfone para falar e cantar em público pela primeira vez, quando eu tinha (pasmem!) apenas 6 anos. Era dia dos pais e eu fui incumbida dessa missão. Tremi quando errei o texto, mas cantei direitinho. Vi meu pai tirar o lenço do bolso, acometido de uma súbita coceira nos olhos. Chorando? Não!!! Naquela época, homens não choravam, muito menos em público.
Recostei-me na maciez de todas estas lembranças, e lamentei mais uma vez que essa Igreja foi demolida, para dar lugar a um templo três vezes maior, cheio de granito cinza, modernoso e muito impessoal, onde fui proibida de acender uma vela da última vez em que lá estive. O padre também tinha proibido a famosa quermesse de Santo Antônio, outro deleite da minha infância. Quase perguntei se o padre não ia proibir o povo de olhar e ouvir, porque isso também gera muitas tentações. Preferi não criar mais polêmicas e fui embora. Triste. Não voltei mais.
Lembro-me quando minha mãe me contou que a igreja seria demolida. Eu disse, brincando seriamente: como assim? E ninguém me consultou? Não, ninguém me consultou. Ninguém sequer se lembraria dessa menina que descansava seus olhos no azul. Ela foi demolida há anos. Entre os escombros, encontraram um pedaço do meu coração.

  

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