Uma nuvem cinza cresceu e tomou o país e o dia. Vejo os que
vociferam jaulas e gaiolas onde querem aprisionar meu pensamento, minhas
palavras, minha vontade de lutar. Ouço insanos pedindo canhões nas ruas, os
loucos que clamam a paz por meio de armas. E tudo me entristece. Uma tristeza
fina e gelada como uma chuva de inverno. Estamos longe do inverno, mas o verão
parece ter se despedido antes do tempo. Antes de ver as esperanças todas
pisadas e despetaladas no chão. A tarde cinzenta parece anoitecer tudo e me
pergunto, como Drummond, se havemos de amanhecer.
Mas a chuva torrencial chegou tamborilando os telhados
carros janelas e tudo o mais do caminho ou espaço. E em seu som de ruído
líquido incontido eu ouvia: fica em paz, nega, não adianta você querer dar uma
de desanimadinha. Você não nasceu pra isso, sacou? Pega a sua raiva da
ignorância, do machismo, do racismo, sua indignação por todas as violências
veladas e re-veladas ou reveladas e vai escrever. É tudo o que te resta.
Chuva sábia. Depois da bofetada, ficou mansa. Eu
também. Continuei caminhando ensopada, a calma se apoderando de mim. E aqui
estou de roupa seca, mas a alma ainda úmida. E entre o cinza das nuvens, uma
fresta minúscula de céu luminoso timidamente se mostra.
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