sexta-feira, 30 de agosto de 2013

A filosofia do chá de gengibre

Desde quarta-feira estou confinada em casa. Não, não estou em prisão domiciliar. Também não foi o meu marido que resolveu se tornar um ciumento compulsivo e psicótico e me trancou em casa. Estou me permitindo estar doente, só isso.
Se a frase causa estranheza à maioria das pessoas, explico-me: é que eu estou doente faz um tempinho. Mas eu não estava me permitindo ficar doente, porque afinal de contas, eu tenho que trabalhar, eu tenho meus alunos me esperando, eu tenho um livro para divulgar, eu tenho que escrever um texto encomendado por uma editora, eu tenho que estudar francês, eu tenho que faxinar a casa, eu tenho... Como esse "eu tenho que" assombra a nossa vida, especialmente a das mulheres!Como ele aprisiona, como ele faz com que a gente se violente, se obrigue a fazer coisas mesmo sem saúde para elas.
E não me permitindo ficar doente, tomando um comprimido aqui e outro lá, continuei naquele ritmo intenso, até que meu corpinho mostrou quem é que manda. Ele me mandou calar a boca, me fez ficar no cantinho da disciplina, para pensar... Principalmente em como eu o tenho tratado mal. 
Pois é, então desta vez, meio na marra, eu me permiti ficar doente e até fui ao médico. Vejam só que progresso! E estou aqui em casa há dias com meus lenços de papel, meus antibióticos e chás de gengibre com limão. Acho que esse post inteiro deve ser efeito de tanto chá... Há muita filosofia no chá de gengibre.
Penso seriamente que a doença às vezes chega para nos mostrar que estamos nos cuidando mal, para nos alertar que tem algo errado na nossa maneira de viver a vida. E como a gente se faz de surdo nessa hora! A gente insiste em não entender o que o corpo fala. Insiste em não lembrar que quando ele vai mal, tudo vai mal.
Levanto minha xícara como se eu fosse fazer um brinde. É, estou celebrando este momento em que eu me permiti ficar doente. Bebo mais um golinho do meu chá de gengibre, que está bem quente, picante e vai aliviar a dor que eu estou sentindo na garganta. E quiçá me inspirar outro post, depois que eu me livrar do sono que o antitérmico começa me dar.  E que me vence completamente. Às vezes, é bom se deixar vencer...
 

sábado, 3 de agosto de 2013

Habitar a cidade

Julho passou como um sopro, ora frio, ora morno, em seus dias curtos. Houve muita vontade de escrever, mas fiquei distante de computadores, empenhada que estava em apenas contemplar paisagens, as conhecidas e as novas.
De férias da sala de aula, resolvi conhecer Campinas. Sim, eu moro em Campinas, há anos, quase décadas. Então parece estranho dizer que resolvi conhecê-la agora. Mas é que não a conheço tanto assim, confesso. Havia muitos lugares ainda por serem conhecidos. E muitos cujo conhecimento ainda foi adiado.
A verdade é que muitos de nós não habitamos as cidades onde vivemos. Habitamos nossas casas, nossos apartamentos, nossos locais de trabalho e estudo, nossos shopping-centers e supermercados, mas não habitamos nossas ruas, praças, prédios públicos. Não caminhamos devagar observando, sentindo o ritmo da cidade, como ela respira. Eu me peguei pensando isso em uma das caminhadas que fazia entre o bairro do Bonfim, onde moro, e o centro de Campinas.
Passei pelo Botafogo, por ruas de casas antigas, com jardins de rosas à frente e senhoras varrendo as calçadas. Passei por praças escondidas no bairro do Guanabara, com crianças brincando e pequenos restaurantes agradáveis onde se podia comer uma comida caprichada por um preço justo. Cheguei ao centro e o ritmo da respiração era outro: muitas pessoas andando, comprando, falando. Na praça em frente à catedral metropolitana, sindicalistas faziam discursos. Alheios, os anjos da fachada em sua imobilidade que se sobrepõe a todas as preocupações mundanas. Descendo um pouco, o Mercado Campineiro, com suas bancas de frutas e um bar delicioso, onde se podia provar chopps de lugares distantes e encontrar os amigos. A conversa sempre boa com a amiga e historiadora Juliana Meirelles foi tão longa que acabou no Café Regina, lugar querido a todos que habitam o centro da cidade. Estar lá é uma experiência que começa pelo olfato: sentir o cheiro delicioso do café torrado ali mesmo. E depois bebê-lo, é claro, bem devagar. A pressa é sempre inimiga da diversão. Depois saímos a caminhar pela praça do Carmo, um céu de azul muito macio envolvia a tarde de sábado. E como se as pessoas todas se soubessem envolvidas por ele, um clima de tranquilidade pairava sobre as mesas, nas calçadas, com pessoas de todas as idades e estilos.
Diante de tantas notícias que nos bombardeiam todos os dias sobre os males da cidade e da a violência urbana, deixamo-nos invadir por  uma insegurança constante, quando não por uma sensação de pânico.  E uma das consequências disso é que deixamos de habitar a cidade. Deixamos de ocupar seus espaços, que são nossos, e com isso, ela se torna cada vez mais degradada e à mercê daqueles que as usam como palco da criminalidade e do vandalismo. Eu adoro andar pela cidade. Ver as pessoas nas ruas, nos lugares públicos, porque isso é que dá alma à cidade. Só o ser humano pode dar sentido a paredes de concreto, a estruturas de aço e vidro.