segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Planta passeadeira

  "Como dizer ao doutor Czerwenka que já não sei onde os meus pés descansam? Os tijolos do que chamo de casa são de outra matéria, delicada demais, multiplicando endereços no que o tempo fez de mim. Eu não conseguiria dizer ao doutor Czerwenka que depois que a minha raiz foi arrancada eu virei planta passeadeira, sempre a caminho".
(Gislaine Widmer, "Crônica de dores e amores crônicos").


Hoje está uma manhã de maio, embora o calendário diga outubro, sua analfabeta! Não importa. O céu de um azul denso, uniforme, sem nuvens; um vento suave e frio e um sentimento de saudade que se apodera de mim trazem maio aos meus olhos. Que se danem os calendários...
Além disso, li hoje uma bela crônica sobre a saudade, escrita por minha querida Gislaine Widmer, presente sempre embora esteja a léguas e léguas daqui. É que o amor tem destas artimanhas, não só rasga calendários mas atravessa oceanos. Hoje, que amanheço em casa depois de passar uma semana fora, Gislaine me fez pensar em lar, em família, em identidade, e sentir uma satisfação de olhar pela minha janela e reconhecer na paisagem tantas vezes já vista uma beleza ímpar.
Estive em Goiás por sete dias - fora de casa, mas em casa. Estava com a minha família. Com a pequena Ana Luíza - a mais jovem do clã das Júlias, essas mulheres encantadoras, mas fortes e voluntariosas. Com dois anos, Analu sabe dizer não com uma teimosia capaz de enlouquecer os adultos mais pacientes que tentam explicar que ela tem que tomar o remédio, que ela tem que dar a mão para atravessar a rua, que ela precisa tomar banho para dormir. Mas como é encantadora quando inventa. Se transforma em borboleta quando percorre a casa com os braços abertos, ao passar pela cozinha, uma tábua de carne vira um violão e ela toca e canta os hits da escolinha maternal: a dona aranha sobe pela parede, baratinhas vestem saias e o galo, paletó. 
Eu me deliciei nestes dias todos com o riso fácil e a leveza que só uma criança tem, com as comidas maravilhosas que minha mãe faz, com as conversas com minhas irmãs. Estava em casa - porque o lar não é um conjunto de paredes, e sim os ruídos que denunciam a vida em seu ritmo, o cheiro de banho recém-tomado, de comida sendo preparada, a  presença em torno da mesma mesa.
Mas eu senti falta de estar ausente. Do silêncio em que passo os meus dias. Hoje acordei sabendo que não haveria outras vozes no decorrer das horas. Abri as janelas e a luz de maio entrou no meu 15 de outubro. Senti saudade da Analu me acordando de manhã, de minhas irmãs conversando no café, porém, um conforto de estar quieta e contemplar. Do que concluo que a saudade para mim é um estado permanente. E que, assim como Gislaine, eu me sinto uma planta passeadeira.